23/10/2012



Morte de Virgínia, 1905, Antonio Parreiras

Uma veste provavelmente azul

Eu estava ali sem nenhum plano imediato quando vi os dois homenzinhos verdes correndo sobre o tapete. Um deles retirou do bolso um minúsculo lenço e passou-o na testa. Pensei então que o lenço era feito de finíssimos fios e que eles deviam ser hábeis tecelões. Ao mesmo tempo, lembrei também que necessitava de uma longa veste:uma muito longa veste provavelmente azul. Não foi difícil subjugá-los e obrigá-los a tecerem para mim. Trouxeram suas famílias e levaram milênios nesse trabalho. Catástrofes incríveis: emaranhavam-se nos fios, sufocavam no meio do pano, as agulhas os apunhalavam. Inúmeras gerações se sucederam. Nascendo, tecendo e morrendo. Enquanto isso, minha mão direita pousava ameaçadora sobre suas cabeças.
 
Caio Fernando Abreu
 

15/10/2012






Choro todos os dias, sai muita lágrima com facilidade a ponto de escorrer pelo rosto todo molhando a blusa, livro e mesa. Nos primeiros dias da terapia escutei "é bom que você consiga chorar aqui, é seu espaço", não existe um lugar onde eu não consiga chorar. Quando era criança sentia febre quando queria, erá só chorar por muito tempo, então a cabeça doía tanto que virava febre e eu escapava de alguma vergonha ou tristeza da escola. Queria falar com as pessoas "apenas conversando como alguém que escolhe um livro" como disse uma amiga uma vez, mas não consigo, tem muita coisa pra se sentir em cada palavra quando se trata de amor e coisas obscuras. Mas não é drama de coelho nem nada disso, chorar faz bem pra um monte de coisas, só não é bom se for frente ao espelho, ele se torna infinito, dá sono, a pele fica fina, se sente meio cortado, louco, bicho, vivo.